terça-feira, 21 de agosto de 2012

brincávamos a cair nos braços um do outro

Como o tempo passa. Hoje, saltou-me à memória o ano de 1998, em especial esse Verão. Já passaram 14 anos... que um conjunto de jovens (rapazes e raparigas) da Mêda criaram um movimento, uma associação juvenil "MEDANIMA".
Durante esse Verão fez-se muita coisa, nomeadamente, uma sessão de poesia intitulada "O Frémito" no Ambrósios Bar.
Recordo-me que a maioria dos poemas declamados eram de poetas desconhecidos e um deles era do Valter Hugo Mãe.
Hoje, Valter Hugo Mãe é reconhecido como um dos melhores escritores da língua portuguesa. 
Aqui deixo um dos seus belos poemas,
(brincávamos a cair nos braços um do outro).

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brincávamos a cair nos
braços um do outro, como faziam
as actrizes nos filmes com o marlon
brando, e depois suspirávamos e ríamos
sem saber que habituávamos o coração à
dor. queríamos o amor um pelo outro
sem hesitações, como se a desgraça nos
servisse bem e, a ver filmes, achávamos que
o peito era todo em movimento e não
sabíamos que a vida podia parar um
dia. eu ainda te disse que me doíam os
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o
cansaço chegava e instalava-se no meu
poço de medo. tu rias e caías uma e outra
vez à espera de acreditares apenas no que
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam,
quando percebíamos que o mundo era
feito de distância e tanto tempo vazio, tu
ficavas muito feminina e abandonada e eu
sofria mais ainda com isso. estavas tão
diferente de mim como se já tivesses
partido e eu fosse apenas um local esquecido
sem significado maior no teu caminho. tu
dizias que se morrêssemos juntos
entraríamos juntos no paraíso e querias
culpar-me por ser triste de outro modo, um
modo mais perene, lento, covarde. Eu
amava-te e julgava bem que amar era
afeiçoar o corpo ao perigo. caía eu
nos teus braços, fazias um
bigode no teu rosto como se fosses o
marlon brando. eu, que te descobria como se
descobrem fantasias no inferno, não
queria ser beijado pelo marlon brando e
entrava numa combustão modesta que, às
batidas do meu coração, iluminava o meu
rosto como lâmpada falhando

a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não
brinques assim, vais partir uma perna, vais
partir a cabeça, vais partir o
coração. e estava certa, foi tudo verdade

valter hugo mãe, in 'contabilidade'