Fui a carregar ao Porto livros e mais livros. Comecei pela Porto Editora fui depois à Areosa às Edições Asa, voltei ao centro do Porto para passar na Civilização e terminar na Lello antes de ficar espancado diante de um alfarrabista que me queria vender a "Mensagem" 1a edição por 600 contos e "Portugal" 1a edição de Miguel Torga por 400 contos. O dinheiro que ganhava nos livros não me permitia tais... loucuras e quando passava pelo Porto passava pelo alfarrabista para ver se os livros continuavam na vitrina(sem os preços) e um dia perguntei-lhe se não tinha receio que lhe partissem a vitrina e lhe roubassem tais preciosidades. Respondeu-me: "João Heitor neste país ninguém rouba livros,são todos uma cambada de analfabetos".
O meu amigo galerista Francisco Lebre,que também jà morreu, tinha aberto a Galerie Magellan em Paris e eu tinha-lhe dado boleia carregando grandes preciosidades para colecionadores de Arte,à noite, ao ver-me todo derreado com o peso das caixas dos livros,convidou-me a comer um bacalhau e ouvir Fados. Fiquei admirado, pois não sabia que no Porto também se cantava o Fado. Entràmos numa casa de prestigio lá para os lados da Sé. Amador, sem conhecer grande coisa e ninguém desse meio fadista, nessa noite cantava uma mulher muito bonita, de grande porte, distinta e de grande classe.Estava vestida de branco, ao contrario dos outros que acompanhavam que estavam vestidos de preto.Ao contrario do meu habito que sempre me visto de preto, eu tinha também uma camisola branca. Sentou-se ao meu lado e ficou pela noite fora no nosso grupo.Contou-me as suas dificuldades, a exploração da qual era vitima e dos seus problemas pessoais...Perdia de vista.
Anos mais tarde alguém me falou na livraria de uma "autêntica" fadista que viera para Paris e pelas indicações que essa pessoa me dera,tirei a conclusão que era a Mané e pedi-lhe o numero de telefone.Fui encontra-la numa simples mas bonita "concierge" la para o 18ème e cantava fado quando tinha convites . Dissera-me que a malta do meio não gostava muito dela "porque dava ares de boa". Fomos duas ou três vezes ao restaurante e dei-me conta que fora dois fados gravados numa compilação, a Mané não tinha disco gravado. No prédio que guardava,havia dois senhores com grandes responsabilidades na FNAC que tinham enorme admiração pela Mané porque era uma mulher culta e falava varias línguas. Pusemos logo a maquina a funcionar e assim nasceu o seu primeiro disco "subtil" .E no Samedi 18 Octobre, no Espace Reully,21 rue Hénard Paris 12ème Metro Mongallet, Mané era a convidada de honra e o lançamento do seu "subtil" fechava o "Salon du Livre et du disque Lusophone" com mais de 500 pessoas nesta bonita sala. Mas desta vez, la estava ela, radiante e vestida de um vestido preto que lhe dava um ar de rara beleza abençoando a todos com a sua voz.Tenho a certeza que este concerto foi um dos pontos mais altos da sua carreira.
Mané, là no Alto, tu sabes que este teu disco também é meu. Isto foi em 2003, depois apresentei-te um tal Renato (penso que é este o nome) que se dizia organizador de espectaculos de fado,não sei se ficaste ou não em boas mãos, dizia-se profissional...Fechei a livraria e so soube pelos jornais que estavas muito doente foi ai que realizei porque é que não me atendias o telefone e não respondias aos meus convite...Queria-te te ver mas andamos sempre atrasados nos afectos durante a "puta" desta vida. Tenho diante de mim a publicidade do Salon onde eu escrevi:
20.30 MANE - Fado "subtil"
20.30 MANE - Fado "subtil"
"Avec son timbre de voix forgé par lèintensité d'une vie riche en douleurs et passions,la chanteuse portugaise Mané offre une interprétation très personnelle des chants populaires de son pays,qui redonne son authenticit et un nouvel essort au FADO traditionel".
Convivium Lusophone-Joao Heitor