domingo, 4 de dezembro de 2011

A crise está aí!

A crise está aí e mais do que a crise económica é a crise das palavras...todos nos tentamos desculpabilizar pois o estado de pecado no homem não é um facto, senão apenas a interpretação de um facto, a saber: de um mal-estar fisiológico, considerado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguém «culpado» e «pecador», não prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade esteja bem...segundo Nietzsche.


A crise deveu-se a muitos factores, erros do passado e do presente, conjunturas complexas e imprevisiveis, uns apontam que o maior factor desta crise se deve ao comércio externo, terá sido a produção de bens, a falta de inovação, a emigração, foi a imigração, resultados de uma civilego necessária para assegurar o estado social, a fuga a fundos, a fuga ao fisco, um aumento da economia paralela, o aumento da corrupção, foram as off-shores, foi a especulação financeira, será o darwinismo no mundo financeiro, a bolha imobiliária, a falta de crédito...


Os Portugueses apontam vários responsáveis no entanto, a guerra entre o público e o privado já começou, espero que as reporcussões não sejam maiores mas os próximos tempos tudo entrará em reboliço e seja de quem for a culpa, esta não poderá morrer solteira. Enquanto esperamos que o tempo se encarregue de julgar, deixo dois pontos de vista. Dois artigos, o primeiro da autoria de Henrique Raposo (Jornal Expresso) e o segundo de Pedro Santos Guerreiro (Jornal de Negócios).
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“Caro funcionário da República, hoje sou apenas o portador de uma mensagem do meu primo (sim, as bestas reacionárias também têm primos). O meu primo trabalha numa empresa que, como tantas outras, enfrenta imensas dificuldades. A hipótese da falência deixou de ser uma coisa longínqua e, por arrastamento, o desemprego passou a ser um cenário possível. E é assim há muito tempo. Há muito tempo que este pesadelo está ali ao virar da esquina. Portanto, a mensagem do meu primo começa assim: V. Exa. está disponível para trocar o seu vínculo-vitalício-ao-Estado por um contrato-ameaçado-pela-falência-e-pelo-desemprego? Quer trocar 12 meses certíssimos por 14 meses incertos?

Depois, o meu primo gostava de compreender uma coisa. Se a empresa dele fechar, ele cairá no desemprego e terá de procurar emprego novo. Mas se a repartição pública de V. Exa. fechar, o meu caro funcionário da República irá para o "quadro de excedentários". Por que razão V. Exa. tem direito a esta rede de segurança que mais ninguém tem? Porquê? Em anexo, o meu primo gostava de propor outra troca: V. Exa. está disponível para trocar a ADSE pelo SNS? Sim, porque o meu primo tem de ir aos serviços públicos (SNS), mas V. Exa. pode ir a clínicas e hospitais privados através da ADSE. Quer trocar? E, depois de pensar na ADSE, V. Exa. devia pensar noutro pormenor: a taxa de absentismo de V. Exa. é seis vezes superior à das empresas normais, como aquela do meu primo. E, ainda por cima, o meu primo não tem uma cantina com almoços a 3 euros, nem promoções automáticas. Mas vai ter de trabalhar mais meia-hora por dia.

Para terminar, o meu primo está muito curioso sobre uma coisa: das milhares e milhares de famílias que deixaram de pagar a prestação da casa ao banco, quantas pertencem a funcionários públicos? Quantas? Eu aposto que são pouquíssimas. Portanto, eu e o meu primo voltamos a colocar a questão inicial: V. Exa. quer trocar? V. Exa. quer vir trabalhar para uma empresa real da economia real que pode realmente entrar em falência e atirar os empregados para a realidade do desemprego? V. Exa. quer trocar a síndrome do funcionário público pela síndrome do desemprego?”
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Missionários públicos
“Dava 24% do seu salário em troca da segurança de emprego vitalício? Muitos funcionários públicos deram, mesmo que ninguém lhe tenha perguntado nada. Com os pensionistas, pior: ninguém lhes ouve sequer um pio. A decisão poupa milhões. Mas sendo uma medida com muito corpo, ela não tem pés nem cabeça. Acha mesmo que "é bem feita"?... Que é assim que se reestrutura o Estado? Muitos acham. Há uma colectividade numerosa que defende estes cortes com base em dois argumentos: o de que os funcionários públicos têm segurança no trabalho; e que ganham mais do que o sector privado. Esta raiva contra a Função Pública é já um sintoma de cisão social. Mas está assente em várias falácias. Os trabalhadores com contrato de função pública têm segurança do trabalho (apetece dizer: por enquanto). Mas estes cortes afectam muitos outros que a não têm: os funcionários das empresas públicas, de empresas municipais e de institutos que venham a ser extintos, se tiverem contrato individual de trabalho. Mas a principal falácia é outra: a de que os funcionários públicos ganham mais. Isso é verdade... em média.

Segundo estudos do Banco de Portugal, os funcionários públicos auferem entre 10% e 20% de remuneração superior à iniciativa privada. No entanto, são os que estão nas funções de baixas qualificações que ganham mais, o que se inverte ao longo da hierarquia. Ou seja, quanto "pior" se é, mais se ganha face às empresas; quanto "melhor" se é, pior se ganha comparando com a iniciativa privada. Esta disfunção salarial é conhecida e não é resolvida, antes agravada, por este corte de salários cego. Quem mais ganha terá um corte superior a quem menos ganha, o que sendo socialmente justo, alarga o fosso face à iniciativa privada. O incentivo para sair da Função Pública (ou para baixar os braços) é agora grande e aqueles que o poderão fazer são os melhores.


Há quem ache que são todos malandros e portanto é correr com eles. Essa sanha é míope: a desvalorização da Função Pública tem sido um pecado contra o Estado quase tão grande quanto foi a engorda do número dos seus quadros. O problema da Função Pública é ser grande demais para o que faz (ou produzir de menos para a dimensão que tem), estar muitíssimo mal chefiada, mal distribuída e enfeudada. Seria estrategicamente melhor para o Estado ter feito um despedimento do que este corte cego. Os custos sociais, no entanto, seriam impraticáveis, tendo em conta o desemprego. Ver tanta gente a exultar com esta navalhada é inquietante. Como o é ver que ninguém parece querer falar dos pensionistas, a quem também se retiram 14% das pensões dos próximos dois anos. Talvez seja porque os pensionistas não tenham sindicato... Mas não duvide: o Estado está a falhar num contrato que assinou. E se o Governo diz que 80% dos pensionistas não serão afectados, isso só significa que 80% das pensões são baixas. O Governo ainda não explicou as contas para um corte tão profundo. O desvio do défice do primeiro semestre explica muito mas não tudo. Parece claro que o corte prometido da despesa intermédia está a falhar, e que a reforma do Estado avança como um caracol. E que, portanto, Vítor Gaspar pôs cinto e suspensórios: cortou salários e pensões, que é a forma mais segura de garantir corte de despesa. Vítor Gaspar faz bem em assegurar o cumprimento das metas mas isso não pode significar a desistência do que Pedro Passos Coelho prometeu e ainda não fez.


E, já agora, se o primeiro-ministro está tão cismado em encontrar os responsáveis políticos do desmando actual, devia actuar junto do mesmo sistema que o fez e fará medrar: o político. O financiamento partidário. O número de deputados. A reforma administrativa, que tem de ir mais longe. Não havia alternativa a medidas com este alcance. Mas havia outras medidas possíveis. Teria sido melhor um imposto extraordinário sobre todos os rendimentos e sobre todo o património. É polémico, claro, mas não menos do que cortar salários à Função Pública. O Governo, que está refém da sua própria pressão de cortar despesa, optou por um caminho que corre o risco da demagogia. O Estado não está a reestruturar a Função Pública, está a aniquilá-la.


O país, no estado que está, precisa da "boa" administração do Estado e é esta que está a enxotar. Arrisca-se a ficar apenas com a "má", que é a comparativamente cara e improdutiva. A todos pede agora compaixão: que apesar de tirar quatro salários dos próximos 48, seja missionário. A salvação do Estado deixou, pois, de ser uma questão de governação. Passou a ser uma questão de fé. Que a fé nos proteja.”

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