Discurso do 25 de Abril
– Sessão Solene - (Mêda – 25 de Abril de 2017)
25 de Abril, Sempre!
É
com este propósito que tendencialmente terminamos os nossos discursos sobre a
Revolução de Abril. Poderia ser ousado e tentar descrever o início de um
acontecimento pelo fim, mas será impossível apagar a história ou recriar outras
interpretações, daquela que foi a génese da nossa democracia. Foi precisamente
há 43 anos que homens determinados, através do Movimento das Forças Armadas
resgataram a Liberdade dos meus avós, dos meus pais e de outros que, como eu,
viriam nascer em democracia, em liberdade e com a esperança de um mundo melhor.
Com mais oportunidades, com mais esperança, com as portas abertas para a Europa
e para o Mundo.
Mas
o caminho que foi feito, nestes 43 anos, foi um caminho com percalços, com hesitações,
com medos, mas com a certeza que valeu bem a pena chegar aqui!
É
com a certeza que muito devo aos capitães de Abril, e que tenho de agradecer a
esses heróis que lutaram para que hoje, possa estar aqui, livre e com o direito
à palavra, no mais elementar exercício cívico. Não poderei ignorar os homens e as
mulheres que lutaram e proporcionaram uma constituição, que nos garantiram os
mais elementares direitos à dignidade humana e definiram uma identidade
cultural vanguardista e digna dos tempos modernos.
Assim,
presto a mais sentida homenagem aos constituintes da II República, que nos ofereceram
um país mais justo, mais fraterno e mais livre.
É
certo que nasci depois da Revolução de Abril, não vivi, nem combati Salazar ou
Marcelo Caetano, mas não posso ignorar a memória colectiva de um país que se
transformou, um país que viveu a mais dura das ditaduras, com uma guerra
colonial estapafúrdia, onde irmãos combatiam outros irmãos, um povo que vivia
na miséria, em que os níveis de iliteracia batiam recordes, onde a educação e a
saúde eram um privilégio para poucos, onde as mulheres eram constantemente discriminadas.
A
religião não era livre, o laicismo era pecado, a orientação sexual era
reprimida, as artes eram coartadas, a liberdade jornalística não existia, a
modernidade e a urbanidade estavam nos antípodas da nossa imaginação.
A
acção social era inexistente, confundia-se caridade com solidariedade, dos mais
novos aos mais velhos tudo era misericordiosamente negado. O trabalho infantil
era constante, a longevidade da nossa população não ultrapassava os 68 anos, os
idosos morriam sem as mais elementares condições de salubridade.
A
emigração era o encorajamento para fugir a um Portugal cinzento, ostracizado e
retrogrado. Fugir à miséria, ao flagelo da guerra colonial, à opressão dos
patronos que exploravam selvaticamente os seus operários, onde os direitos
laborais estavam longe de estar consagrados. Foi através do assalto para terras
como a França que homens deixavam os seus filhos e tudo o que de mais precioso
tinham, para descrever esta triste sina, citaria Rosalia de Castro, com o
cantar de emigração:
Este parte, aquele parte e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens que possam cortar teu pão
Tens em troca órfãos e órfãs, tens campos de solidão.
Tens mães que não têm filhos, filhos que não têm pai.
Coração que tens e sofre, longas ausências mortais.
Viúvas de vivos mortos, que ninguém consolará.
Hoje
o país é outro, mas ainda longe da utopia de Abril, muito haverá por fazer,
corrigir os erros, combater as assimetrias, decretar, orientar, planear,
reformular uma administração mais eficaz e eficiente.
Há
muito por fazer para que a coesão territorial possa efectivar-se, é certo, que
hoje temos a esperança de um novo governo, mais sensível, mais ousado, mais
justo e mais solidário… A austeridade foi substituída por equidade social, a
obsessão dos números foi trocada por melhores níveis de emprego, as contas
mostraram robustez e conseguiu-se um défice que surpreendeu tudo e todos, até
os mais cépticos se calaram e os níveis de confiança dos portugueses registam
valores positivos há muito inalcançáveis.
Cumprir
Abril é respeitar a Constituição, respeitar os trabalhadores, os mais pobres e
os menos protegidos. Porém, existem dois terços do território que esperam por
mais oportunidades, por mais justiça fiscal, por mais atenção com aqueles que
teimosamente resistem em viver no Interior deste País.
A
criação da unidade de missão para a valorização do Interior, levada a cabo por
este governo, com as suas 164 medidas, são um sinal, uma espécie de luz ao
fundo do túnel, no entanto, é necessário mais e se hoje temos a reabertura de
serviços que anteriormente foram sem critérios encerrados, podem transformar-se
num baluarte para que as novas gerações possam querer investir e fixar-se neste
território.
Mas
é preciso, continuar a caminhar sem demagogias e populismos fáceis, aqueles que
semeiam facilidades e mostram no radicalismo demagógico, o abutrismo do poder,
irão certamente colher desilusões e fracassos, pois é inevitável que hoje as
consciências cívicas estão despertas, atentas e informadas.
Se
após a revolução, em tempos do PREC, foi necessário pôr em marcha a politica
dos 3 D´s (Descolonizar, Democratizar e Desenvolver), hoje, no Interior do
País, são necessários outros três D´s:
Devolver,
Defender e Desenvolver.
Devolver
a esperança e dinamismo ao Interior, através da Descentralização;
Defender
a nossa identidade, os nossos costumes e os nossos produtos;
Desenvolver
oportunidades de negócio e de economia;
Só
assim é que será possível continuar o caminho que há 43 anos se iniciou. Só
assim a equidade social se tornará efectiva.
Desde
os meus 18 anos que neste dia uso o cravo na lapela, acordo com músicas de José
Mário Branco, do Adriano Correia, do Zeca, do Sérgio Godinho e de tantos outros
que nos ajudam a reviver esses tempos de esperança, que nos fazem acreditar num
mundo melhor e num país mais próspero.
Mas
hoje, não poderei deixar de registar que é um dia diferente, a minha filha
Maria Francisca, com 5 anos, quis livremente vir assistir às cerimónias solenes
do 25 de Abril, pois também ela já percebe que hoje é um dia de celebração, dia
de cantar o “Somos Livres” (uma Gaivota voava, voava) que ela tão bem sabe
desde os 2 anos. Este é o exercício que cabe a todos aqueles que não viveram a
Revolução, tenham o sentido de recriar e de lembrar que valeu bem a pena, e
chegados aqui, não podemos voltar para trás, por isso, vamos fazer o que ainda
não foi feito.
Termino,
com palavras de José Jorge Letria, para não esquecer que o 25 de Abril é o Dia
da Liberdade:
Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afecto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo tecto.
Viva
a Democracia, Viva a Mêda, Viva Portugal!
25
de Abril, Sempre!