25 de Abril, Sempre…
Começo este meu intrometimento, fazendo uma breve resenha de um tempo anterior ao 25 de Abril de 1974, o antes da Revolução, nada melhor que recordar o inicio de um dos belos poemas do célebre saudoso José Carlos Ary dos Santos - “As Portas que Abril Abriu”- que caracteriza um Portugal, como
Um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra
Onde entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo se debruçava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza
Era uma vez um país onde o pão era contado onde quem tinha a raíz tinha o fruto arrecadado onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado onde suava o ceifeiro que dormia com o gado onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado onde morria primeiro quem nascia desgraçado
Era uma vez um país de tal maneira explorado pelos consórcios fabris pelo mando acumulado pelas ideias nazis pelo dinheiro estragado pelo dobrar da cerviz pelo trabalho amarrado que até hoje já se diz que nos tempos dos passado se chamava esse país Portugal suicidado
Ali nas vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras vivia um povo tão pobre que partia para a guerra para encher quem estava podre de comer a sua terra
Um povo que era levado para Angola nos porões um povo que era tratado como a arma dos patrões um povo que era obrigado a matar por suas mãos sem saber que um bom soldado nunca fere os seus irmãos
E poderia continuar com este poema para representar o país cinzento, empobrecido, atrasado, oprimido, coagido à tirania do fascismo e o censuricidio como prática constante.
Assim, o 25 de Abril amanheceu com tonalidades de coragem e determinação, no movimento conduzido pelos oficiais intermédios da hierarquia militar (o MFA), na sua maioria capitães com experiência na Guerra Colonial, iniciou-se a Revolução dos Cravos, nome pelo qual se popularizou o golpe de estado militar que derrubou, num só dia, sem grande resistência das forças leais ao governo de Marcelo Caetano, que cederam perante a revolta das forças armadas, pondo fim ao regime político que vigorava em Portugal desde 1926.
Ao longo desta operação foram dados sinais de revolta, a desopressão era inevitável a revolução estava na rua, homens, mulheres, novos e velhos acreditavam num país novo.
Nesta manhã de Abril, floriu a esperança de uma nação livre, livre de opressões, livre de guerra, livre de espírito, livre no sentir, livre de dogmas, livre nos direitos humanos e livre para construir uma democracia.
Foi com a revolução de Abril que os partidos deixaram a clandestinidade, os mais pequenos partidos puderam ambicionar ser maiores. Aqueles que outrora foram opositores seriam um dia poder.
Foi com a revolução de Abril que o poder local ganhou autonomia, que o poder local se modernizou e dinamizou políticas mais próximas das pessoas.
O país encheu-se de coragem e de esperança, porém nem tudo foi fácil, perigos como o Comunismo espreitavam esta neófita democracia comparada com a de outros países, no entanto foi suficientemente inspiradora a Revolução de Abril, tendo sido a menos sangrenta que ainda hoje é exemplo para o mundo.
Esta revolução serviu de nascente para o poder institucional e a génese da nossa Constituição.
Estes 35 anos de Democracia não são a meta mas sim o caminho que continuamos a percorrer na consolidação de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais livre. No campo ideológico vive-se uma dinâmica globalizante de transformação diária. O mundo é hoje global e as exigências mudaram os paradigmas são outros e a atenção de todos é imperiosa para dar resposta às necessidades sociais de forma a combater as discriminações ainda existentes.
A participação cívica é hoje mais do que nunca obrigatória, a criação de novos movimentos cívicos são o baluarte e a garantia que Abril não acabou. O país está diferente, melhor na educação, melhor na saúde, melhor em muitas outras áreas vitais para a vanguarda de um país moderno e adaptado aos novos desafios.
Hoje 35 anos depois da revolução de Abril, o país está diferente, somos mais 2 milhões de portugueses. É um facto que as famílias têm menos filhos, hoje vive-se mais tempo e a chegada de novas culturas tornou-nos mais cosmopolitas, mais universais. Só com esta riqueza cultural é que poderemos voltar a estar na linha da frente, só assim os vários saberes poderão tornar-nos mais ambiciosos na ciência e na investigação. O mito Salazarista do “orgulhosamente sós”, há muito que não faz sentido, hoje somos Europeístas e não estamos num bunker isolados do mundo.
Contudo, não podemos anunciar que não existam perigos e que tudo está feito, é necessário agir, há outras preocupações, emergem novos perigos para a liberdade individual e colectiva, mecanismos ferozes e demolidores que podem ser nefastos para actual sociedade.
Paul Legrand ensinou que a educação é permanente, pois só assim a democracia é eficaz, os perigos das novas tecnologias quando se submetem à perversidade humana em vez do interesse social, podem desencadear o fracasso global. A sociedade necessita do seu próprio auto-controlo, precisa de se auto-regular. Esta auto-regulação não pode ser confundida com um sistema de controlo que debilite a democracia, porque se ocorrer uma deriva totalitária instrumentalizada nas mãos dos mais poderosos, a regressão ao passado é um pequeno passo. Não se pode permitir que a liberdade individual possa estar em perigo, não podemos aceitar que sejamos controlados electrónica e ideologicamente, e se aceite que toda a nossa vida seja reconstruída por outros e não por nós. A participação cívica de todos é mais uma vez um dos grandes desafios que temos pela frente, como disse há poucos dias o general Ramalho Eanes «É tempo de mudarmos porque já não temos tempo para continuar a ter medo. É tempo de mudarmos porque as linhas de futuro que levam ao futuro que desejamos são nós e mais ninguém que as pode abrir».
Se Abril abriu portas, estas jamais poderão ser fechadas. Os políticos têm de ser responsáveis porque são os actores das decisões e não podem construir um futuro que possa hipotecar gerações.
Por último e falando de nós, interior deste país, dois terços do nosso território, a vitimização da interioridade não pode servir de álibi para os responsáveis autárquicos que estrangularam e hipotecaram concelhos que hoje estão no caminho do definhamento destes municípios, a pouca inspiração e o comodismo instalado são hoje a maior preocupação do país.
Durante muitos anos tem se assistido ao mesmo discurso por parte de autarcas e políticos da nossa praça, que dizem: Somos interior ajudem-nos, combatamos as assimetrias, estamos esquecidos… Tem sido sobre esta batuta que os discursos se têm moldado, com mais algum tempero de malignidade e assim se fomenta a cegueira há muito instalada. Encontrem-se fórmulas, estratégias, ideias que possam contrariar este triste estrangulamento.
Por último e por surpreendente que pareça quero congratular a Autarquia da Mêda por finalmente e provavelmente a última sede de concelho deste país a colocar um nome de uma rua em comemoração à Revolução de Abril.
Que o sentido de Abril seja finalmente concretizado no nosso município muito em breve.
Termino, com palavras de Manuel Alegre:
Foram dias foram anos a esperar por um só dia. Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia na esperança de um só dia.
Viva o 25 de Abril, Sempre.
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